1 de novembro de 2009





Trecho do livro Mastigando Humanos de Santiago Nazarian:

Animais humilhados
Humanos obscuros
Objetos animados

"O gosto dos subterrâneos foi o que me tornou incapaz de sentir qualquer outra coisa. Vocês sabem, quando se está mergulhado em excessos, não se pode estimular papilas individualmente. Todos esses tóxicos que saem pelos canos, toda essa comida industrializada tiveram um efeito ainda maior na minha cabeça que no meu paladar - e hoje sinto que tenho várias faculdades mentais prejudicadas. Mas, provavelmente, muitas outras evoluídas. Afinal, se não houvesse passado pelo que eu passei, não haveria graça em contar a minha história. Não seria novidade nenhuma mais um jacaré alimentando-se de capivaras. Com a boca aberta sob o sol. Palitando os dentes com passarinhos. Ah, seria uma aventura bucólica que eu nem teria capacidade de organizar em sentenças, pontuadas, se minhas funções mentais não tivessem sido alteradas.
(...) Concordo que poderia ter sido diferente, eu poderia ter seguido outros caminhos e não ter me lesado tanto. Mas vai saber o que uma simples friagem não poderia fazer em mentes demasiadamente protegidas, ou o efeito tóxico da noz-moscada na comidinha caseira, ou o lapso permanente - a paralisia cerebral- provocada ao dizer pecan pie em um quarto de hotel. Se a destruição é inevitável, ao menos que seja saborosa...
No fundo somos todos iguais, no fundo do mar, do esgoto, da terra. Todos a agir, apenas alguns a pensar. Os que pensam, pensam, pensam sobre suas próprias ações, as mesmas ações dos outros, não mudam em nada os atos em si. Talvez para aqueles que não pensem possam se identificar. Os que não pensem possam ler e refletir, e continuar, para não afundar. Mas o que estou dizendo?..."